Anna Barros
Política de cotas é importante
Residencia Médica precisa ter cotas raciais
A grande polêmica do final de semana nem deveria estar nos Trending Topics do Twitter: a política de cotas para pessoas pretas na Residência Médica. O presidente do Conselho Federal de Medicina entrou na Justiça para embargar essa decisão.
A Residencia Médica é um programa de especialização remunerado e seu fim é didático. O médico, após estudar seis anos de Medicina, presta prova para Residencia Médica para fazer uma especialização, seja de Clínica Médica ou de Cirurgia Geral ou de Pediátrica, por exemplo, e depois faz mais três anos se optar por Cardiologia ou Dermatologia ou no campo cirúrgico, Cirurgia Plástica ou Proctologia, ou na Gastroenterologia ou Pneumologia pediátricas, por exemplo.
O jornalista Otávio Guedes disse na GloboNews que nunca foi atendido por um médico preto. Eu também não, mas fico feliz de mais pretos estarem cursando Medicina por causa do programa de cotas do Enem nas universidades públicas. Vi pretos na UERJ, na UFRJ e na Uni-Rio com muita alegria e satisfação de minha parte. Isso já foi um grande avanço.
Na Universidade Gama Filho, onde me formei em Medicina em 1996, na minha sala tinha um só preto: um rapaz vindo de Camarões, que se chama Teleo Nicolas. Quando eu era residente de Cirurgia Geral na Santa Casa, na minha turma, não tinha, mas eu tinha um interno, Antônio, que estudava na faculdade que eu havia me formado e queria ser Ortopedista. Eu confesso que nunca o vi ser alvo de racismo mas quem garante que ele, mesmo de classe média, não sofreu nas escolas particulares que frequentou ou no meio de seu pai, que também era médico, ou nas festas da faculdade ou nas blitzes da ponte Rio-Niteroi, pois ele morava em Nicty City. O racismo em nossa sociedade é estrutural e as pessoas fingem que ele não existe, mas existe. Está em todos lugares. E eu nem tenho lugar de fala porque sou branca mas tenho uma segunda mãe, Ana, que é preta e por ela brigo sempre quando percebo que o racismo quer atingi-la ou à sua família. Ela tem mais consciência do racismo porque eu e minha irmã Renata a alertamos o tempo todo. Como ela tem 66 anos, na sua época, não tinha um Vinícius Junior que expunha a questão como uma ferida exposta. Ela cresceu aceitando passivamente.
O exemplo maior que o racismo está espalhado no mundo não só pra inglês ver, é o que sofre o nosso esportista maior do momento, Vinícius Junior. Ali é escancarado. Mas Vini Jr não se deixa abater, ele luta e rompe a bolha com garra e determinação por um mundo mais igualitário para todos.
O meu interno , Antônio, se destacava muito entre os demais e sempre tinha um sorriso no rosto e muita dedicação no trato com os pacientes. A enfermaria e os pacientes do Ambulatório o adoravam. Ele passou na primeira tentativa para uma Residência em Ortopedia, mas e os pretos que não tinham a mesma oportunidade que ele: de boa universidade ou uma boa formação no internato ou uma excelente bagagem cultural? Porque hoje em dia os programas de Residência Médica têm cada vez menos vagas nos hospitais públicos que são onde se aprende a verdadeira Medicina, ali no front, na Medicina de guerra ou no pequeno Vietnã, como chamávamos a Pequena Emergência do Miguel Couto onde fui acadêmica-bolsista para complementar a minha formação.
Quero ver mais Antônios médicos, residentes, especialistas. E para quem não entende o que vivemos, eu posso dar um presente: um livro da Djamila Ribeiro, Pequeno Manual Antirracista. O livro é simples e prático e dá bem para os coleguinhas médicos lerem entre um plantão e outro.
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